A tentativa de assassinato contra o ex-presidente dos EUA Donald Trump tem grande potencial de lhe render dividendos políticos positivos. Um dos principais sinais que apontam nessa direção é a solidariedade prestada a Trump por integrantes dos dois grandes partidos americanos –incluindo os adversários democratas– e líderes internacionais de diferentes posições ideológicas.
O presidente Joe Biden, adversário de Trump na eleição deste ano, e os ex-presidentes Barack Obama e Bill Clinton, todos do partido Democrata, se solidarizaram com Trump. No plano internacional, Lula foi um dos líderes de esquerda que se solidarizou com Trump.
A conversão dessa oportunidade em bônus político dependerá, sobretudo, das estratégias e ações de comunicação que forem usadas por Trump e seu time nos próximos dias. A comunicação do ex-presidente com a imprensa, adversários e influencers será fundamental nesse processo.
É incerto, no entanto, se Trump vai conseguir aproveitar essa oportunidade. É preciso lembrar que a pandemia de Covid-19 foi outra dessas situações capazes de transformar o político em herói inconteste da pátria, mas Trump seguiu o caminho de negar a doença e a vacina, acentuando a divisão ideológica no país e intensificando sua reputação controversa –o mesmo ocorreu com Jair Bolsonaro, no Brasil.
O jornalista Del Quentin Wilber, autor de um livro sobre a tentativa frustrada de assassinato contra Ronald Reagan em 1981, observou em um artigo para a revista Fortune que “o atentado gerou uma imensa simpatia do público americano por Reagan, que passou 13 dias no hospital antes de retornar à Casa Branca”. O episódio, no entanto, fez ainda mais: “construiu um vínculo entre o presidente e o público”, afirmou Wilber. Segundo ele, as pessoas passaram a ver um presidente que agiu com graça e coragem ao tomar um tiro que quase acertou seu coração. “Eles ouviriam que ele havia feito piadas com seus médicos e enfermeiros enquanto lutavam para salvar sua vida e procuravam aliviar a ansiedade de seus entes queridos”, comentou o autor.
Wilber relata que Reagan estava deitado em uma maca no hospital, com um tubo no peito drenando sangue de seu lado, e ainda assim tentou acalmar sua esposa, Nancy, com uma piada. “Querida, esqueci de me abaixar”, disse o presidente dos EUA à esposa, usando uma frase que o boxeador Jack Dempsey disse à sua própria esposa após perder o campeonato mundial de pesos pesados em 1926.
O presidente ainda fez piadas com seus assessores enquanto era levado para a sala de cirurgia e, pouco antes de ser anestesiado, ele brincou com os cirurgiões: “Espero que todos vocês sejam republicanos”. Um dos médicos, democrata e liberal, respondeu: “Hoje, senhor presidente, todos somos republicanos.”
Wilber registra que o time da Casa Branca não perdeu tempo em garantir que as piadas do presidente fossem divulgadas à imprensa. David Broder, repórter de política do Washington Post, escreveu o seguinte, dois dias depois do atentado: “O que aconteceu com Reagan na segunda-feira é o material de que são feitas as lendas”. Três décadas depois, observou Wilber, o mesmo Broder manteve a avaliação ao dizer, em uma entrevista, que Reagan havia se tornado “politicamente intocável a partir daquele momento”. Broder disse ainda que Reagan “se tornou uma figura mítica.”