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Caso Borat-Giuliani expõe obrigação das assessorias de imprensa

Este texto contém spoiler sobre o filme “Borat 2”, intitulado “Fita de Cinema Seguinte de Borat” ou “Borat Subsequent Moviefilm”, no original.

A cena mais notória e polêmica de “Borat 2” aparece no fim do filme e inspira uma série de reflexões sobre precauções na relação de entrevistados, fontes e porta-vozes com jornalistas. Trata-se, portanto, de tema de profundo interesse para empresas e profissionais que atuam com assessoria de imprensa.

O resultado da cena é uma polêmica e constrangedora discussão envolvendo Rudolph Giuliani, ex-prefeito de Nova York e atual advogado de Donald Trump. Ou seja: envolve um personagem proeminente na cena política dos EUA.

O nome de Giuliani, neste momento, aparece no Google e nas redes sociais associado a um debate sobre se ele teria falado e feito gestos inapropriados na presença de uma mulher –no caso, a atriz Maria Bakalova, integrante da equipe do filme e que fingiu ser repórter de um veículo conservador para induzir Giuliani a falar e fazer coisas que pudessem ser criticadas no contexto de Borat 2, um filme com forte tom anti-Trump.

Uma das cenas do filme mostra a personagem de Bakalova marcando a entrevista ao telefone. Possivelmente a cena foi forjada, uma vez que a produção do filme, e não a atriz, deve ter agendado o encontro. Assim, não fica claro se a entrevista foi marcada diretamente com Giuliani ou com alguém de sua equipe –e, nesse caso, se teria sido com um assessor de imprensa ou um alguém não especializado no contato e relacionamento com jornalistas.

A questão é: toda a polêmica e o constrangimento decorrentes de ter caído na armadilha poderiam ter sido evitados se, ao marcar a entrevista, Giuliani e sua equipe tivessem verificado a identidade da repórter. Ela se apresenta (pelo menos nas cenas acessíveis ao público) como “Grace Sagdiyev”, do Patriot’s Report.

O Patriot’s Report realmente existe. É um veículo identificado com o público conservador e com as ideias de Trump. “Grace Sagdiyev” não existe. Uma simples busca no Google mostra que esse sobrenome é o mesmo do personagem protagonista, “Borat Sagdiyev”, já conhecido pelo primeiro filme e também por toda a obra do ator Sacha Baron Cohen, que tem forte inclinação anti-Trump e, portanto, anti-Giuliani.

Na dúvida, valeria telefonar para a redação do Patriot’s Report e verificar se a repórter realmente estava a serviço deles.

Deter essas informações sobre Cohen e identificar a jornalista fake são tarefas da assessoria de imprensa do ex-prefeito Giuliani.

Não está claro, no entanto, se Giuliani conta ou não em seu time com profissionais especializados para conduzir sua relação com a imprensa. Se ele dispõe dessa assessoria, ela falhou. Se não dispõe, deveria repensar essa opção.

Além da falta de cuidado estratégico no momento de aceitar conceder a entrevista, Giuliani ainda age de forma equivocada ao entrar no clima de flerte criado pela atriz. Uma entrevista não deveria se confundir com esse tipo de situação. Apesar disso, é preciso também destacar que foge à ética jornalística a atitude da equipe do filme, que mente e arma uma situação para que o entrevistado fale ou faça coisas que parecem corroborar o que se quer dizer contra ele.

As assessorias de imprensa, no entanto, precisam estar cada vez mais atentas e saber lidar com esse tipo de situação, que tem se tornado recorrente a partir do surgimento de empresas não-jornalísticas que se aventuram a fazer jornalismo. Há até mesmo casos em que profissionais ou amadores se passam por jornalistas para obter informações que terão uso bem diferente dos propósitos jornalísticos (como alimentar relatórios de inteligência e criar fake e deep news).

É preciso contextualizar bem a crítica, no entanto. Em diversos países há programas de humor, no estilo do CQC, que usam de ferramentas jornalísticas para informar e criticar. Diferentemente do que ocorre em Borat, no entanto, eles não têm por método enganar o entrevistado.

Deixar de prestar atenção a essas mudanças no mundo informacional é assumir, mesmo que de forma impensada, riscos. No caso de Giuliani, por exemplo, um político do campo conservador que construiu a carreira como autoridade anti-máfia, nada mais constrangedor do que se ver em meio a um suposto escândalo de cunho sexual. Pior ainda que isso ocorra neste momento em que o combate ao machismo e à violência contra a mulher estão, felizmente, em alta.

O problema de comunicação colocado para Giuliani, agora, é explicar que foi enganado, acabou se submetendo a uma entrevista fake e não fez os gestos que a edição do filme dá a entender que foram feitos. Resolver esse problema é outra missão para assessores e consultores de comunicação, que podem atuar nas diferentes etapas necessárias para a superação de uma crise, desde a elaboração até a execução de uma estratégia.

Abaixo, coloco uma análise detalhada e muito clara a respeito da edição do filme que foi feita por um youtuber cujo passado e opiniões políticas eu desconheço. Apenas estou usando a análise dele sobre a edição porque foi a mais interessante que encontrei no Google.

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