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Influencers complementam vigilância da imprensa sobre autoridades

A discussão sobre a privacidade e as liberdades das autoridades públicas é sempre quente no noticiário político, sobretudo quando envolve cargos como presidente da República, ministros de Estado, deputados, senadores e integrantes do Judiciário. Com relação à Justiça, aliás, a exposição alcança não apenas os ministros dos tribunais superiores, mas também juízes, advogados, procuradores e promotores de casos vultosos.

Um importante definidor da dimensão que será alcançada pelas discussões morais feitas pela imprensa sobre o comportamento dessas autoridades é o confronto entre as realizações e intervenções técnicas e as qualidades alheias às atribuições do cargo. Quando essas últimas se sobressaem, começa o problema de reputação que, por sua vez, pode desencadear uma crise (que terá maior ou menor intensidade de acordo com a extravagância da situação e a velocidade com que se resolve o problema, entre outros fatores).

É preciso distinguir situações que, muitas vezes, são separadas por uma linha tênue. Eventualmente, para “humanizar” a imagem pública de uma autoridade, tenta-se levar ao público um pouco de sua intimidade, em situações como a prática de esportes e de outros hobbies e dos afazeres da vida doméstica. Essa é uma técnica correta e válida de comunicação. Mas equilibrar essa tentativa de humanização com os requisitos de seriedade necessários para a manutenção da autoridade, no entanto, não é tarefa simples. Para dar certo, é necessário um planejamento consistente e o domínio dos conceitos e técnicas da comunicação.

Novo cenário da comunicação

Nesse sentido, a preservação e a construção de uma boa reputação, até pouco tempo atrás, demandavam uma atenção majoritariamente voltada para a imprensa. Como resultado desse método, até hoje, muitas pessoas mudam de comportamento quando concedem entrevistas ou, simplesmente, conversam com jornalistas.

A popularização da internet e das redes sociais, no entanto, tem dificultado a manutenção do “comportamento duplo” e demandado cada vez mais cuidado por parte de autoridades e famosos durante momentos. Essa cautela se estende para momentos e detalhes que, antes, dificilmente iriam a público ou seriam percebidos.

Um exemplo da vigilância exercida pelas novas mídias, no nível dos detalhes e de modo complementar ao jornalismo, foi dado recentemente pelo canal “GMTmenos3”, mantido no Youtube pelo especialista em relógios Leandro Amorim.

Mesmo sem a pretensão de exercer crítica ou censura sobre autoridades, as informações do canal terminam por expor ao público características até então pouco conhecidas a respeito de algumas autoridades.

Habituado a postar, por exemplo, análises e comparações entre diferentes modelos e marcas de relógios de pulso, além de apontar quais são os relógios preferidos de personalidades, Amorim gravou um vídeo que chamou atenção por apresentar os preços das peças usadas por ministros do STF. A partir de registros em vídeo das sessões do tribunal, o youtuber identificou relógios que podem valer, por exemplo, R$ 14 mil, R$ 24 mil, R$ 40 mil, R$ 60 mil, R$ 114 mil, R$ 170 mil e R$ 380 mil.

No meio jurídico, o vídeo despertou a lembrança de um caso mais antigo e sem qualquer relação com os ministros do STF. Trata-se da entrevista concedida à revista Veja, em 2017, por alguns advogados que relataram ter obtido grandes ganhos financeiros por trabalharem na defesa de investigados pela operação Lava Jato.

O link feito pelas pessoas que relacionaram o vídeo dos relógios com aquela entrevista foi a presença de objetos luxuosos. Mas a intersecção termina aí por vários motivos, sobretudo pela atitude discreta dos ministros, que tiveram seus relógios expostos de modo involuntário.

O caso dos relógios do STF rendeu alguns comentários jocosos e críticos no Twitter, além de mensagens de elogio ao bom gosto dos ministros. No case da entrevista, por outro lado, viu-se um debate que se arrastou por alguns dias e ocupou alguns espaços nobres da imprensa.

Capa da revista Veja tornada pública em 23/11/2017.
Capa da revista Veja tornada pública em 23/11/2017.

Ali, os próprios advogados falaram sobre os honorários recebidos por defenderem clientes pela Lava Jato. E também se deixaram fotografar ostentando itens de luxo. A crise que veio em seguida incluiu a possibilidade de punição pela OAB e foi acompanhada por questionamentos sobre, por exemplo, a divulgação dos escritórios (que é limitada por regras da OAB) e o respeito pelos clientes. Entre as razões da grande repercussão dos depoimentos estava, justamente, a sinceridade incomum em fazer para a revista afirmações que, raramente, vão a público.

O que fica claro é que a imprensa não é mais o único player a prestar atenção nos detalhes do mundo do poder. Mais do que isso. Agora, as redações podem contar, inclusive, com o conhecimento e os conteúdos postados na rede por especialistas, como foi o caso dos relógios. As redações seguem com especialistas em temas como política, economia e Justiça, mas, dificilmente, terão em seu staff alguém que conheça tão a fundo outros temas específicos quanto os youtubers e influencers especializados. Na nova realidade da comunicação, detalhes que antes passavam desapercebidos já não são mais ignorados.

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